Meu Tabuleiro de Damas

Eu tinha uns nove para dez anos e morava com minha avó Carmozina na cidade para frenquentar a escola, pois meus pais moravam no sítio e não havia como estudar por lá. Era fim de ano, meus pais com muita dificuldade, sempre compravam um brinquedinho para que o Natal não passasse em branco e meu pai dizia que o brinquedo não era grande coisa, pois até o Papai Noel subir a serra onde ficava o sítio, só havia sobrado no saco do bom velhinho aqueles presentes  mais simples, a gente acreditava, criança naquela época era mais inocente.
Mês de dezembro e minha tia Eli, chegara à casa de minha avó para passar as festas de fim de ano. Que alegria ver os primos! Um menino e três meninas, meus primos favoritos. Dona de uma personalidade controversa e forte, essa irmã mais moça de meu pai era considerada de temperamento difícil, mas comigo sempre foi atenciosa, lhe guardo ternas recordações.
Todos na sala, sentados no sofá vermelho, conversavam sobre os presentes de Natal, meus primos diziam o que queriam ganhar e minha tia ponderava as solicitações absurdas. Em um dado momento, ela se virou para mim e disse:
- E você Dalva, o que gostaria de ganhar nesse Natal?
Eu, menina de roça, acostumada a poucas ambições, respondi sem pensar.
- Um Tabuleiro de Damas! – Se minha mãe estivesse presente eu certamente teria levado um beliscão por conta da ousadia. Ela não me perdoaria por não entender a retórica da pergunta.
Tia Eli surpresa voltou a perguntar:
- Você sabe jogar damas? – Respondi de pronto:
- Não senhora, mas aprendia. – Ela deu sorriso maroto e corrigiu:
- “Aprenderia”. – Repeti envergonhada:
- Sim senhora, eu aprenderia.
Levaria ainda duas semanas até o Natal, esqueci o diálogo com minha tia e lia vorazmente as revistas em quadrinhos que meus primos haviam trazido do Rio de Janeiro.
            Tenho 54 anos, ainda lembro aquela manhã de Natal e experimento a mesma sensação de alegria ao recordar. Meus pais que vieram do sítio para as comemorações, me deram a caixa de lápis de cor e o caderno de desenho que eu havia pedido. Minha tia, querida tia Eli, que já não vejo faz muitos anos, me chamou e entregou um lindo embrulho de presente, lá dentro havia o sonhado Tabuleiro de Damas que para mim fora um pensamento, uma aspiração dita em voz alta, um arrebatamento de criança, realizado por uma mulher às vezes muito enérgica, às vezes muito triste, mas dona de um coração sensível e de uma alma generosa. Obrigada.



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